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Na sua obra intitulada « Les Luso-africains de Sénégambie : XVIe – XIXe siècle », Jean Boulègue (1989) afirma, a propósito dos luso-africanos, que: « Rares sont les voyageurs qui ont touché terre entre la presqu’île du Cap-Vert et la Gambie sans remarquer leur existence ». (p. 7). Numerosos autores descreveram estas populações sem nunca utilizar o termo Luso-africanos. Citemos portugueses como o capitão André Álvares de Almada com o seu Tratado breve dos rios de Guiné do Cabo Verde, André Donelha ou o capitão Francisco Lemos Coelho, nativos de Santiago de Cabo Verde; mas também franceses como Sieur de La Courbe. Os Luso-africanos são na sua origem uma população específica de “descendentes de portugueses e de negras” cuja presença está atestada na Senegâmbia desde o século XVI. Estes ocuparam um lugar importante na sociedade da chamada Senegâmbia, muito particularmente ao nível do comércio não só enquanto atores independentes, mas também enquanto atores complementares aos portugueses.

O espaço ocupado pelos seus agregados familiares estendia-se desde a quase ilha de Cabo Verde até à atual Guiné-Bissau. Ao longo do tempo, este espaço reduziu-se e esta população começou a declinar até quase desaparecer no Norte da Gâmbia, restaando apenas uma família em Joal no século XIX. Mais a sul, na Guiné “portuguesa” e em Casamansa, esta população continuaria a possuir um papel preponderante na vida política e económica da região, talvez porque a edificação das praças (Cacheu, Bissau, Geba, Ziguinchor, Farim) lhe tenha fornecido pontos de ancoragem.

O processo de formação dos agregados familiares luso-africanos é bastante hererogéneo. Daí, a sua diversidade e a multiplicidade de termos para os denominar – lançados, tangomãos, kriston, gurmetes, filhos da terra e mesmo “portugueses” – os quais testemunham a multiplicidade tanto das suas origens como das suas ocupações e das suas posições sociais.

Mas, quem serão os Luso-africanos e que relações manterão com as populações autóctones e com o poder estrangeiro instalado? O inglês Richard Jobson descreve-os deste modo: « Et ce sont des Portugais comme ils se nomment eux-mêmes, et quelques-uns d’entre eux leur ressemblent, d’autres sont mulâtres, entre le blanc et le noir, mais la plupart sont aussi noirs que les naturels du pays, ils sont groupés par deux ou trois en un même lieu et sont tous mariés, ou plutôt vivent avec des femmes noires du pays, dont ils ont des enfants ; néanmoins ils n’ont ni église, ni prêtre, ni aucun ordre religieux. Il apparait de toute évidence que ce sont ceux qui ont été bannis ou ce sont enfuis soit du Portugal, soit des îles, qui se trouvent en cet Etat ». (Boulègue, 1989, 14).

Este colóquio, de homenagem ao historiador Jean Boulègue, visa dar continuidade aos trabalhos iniciados em 2016 no I Colóquio Internacional A Presença Portuguesa em Ziguinchor: História, Património Material e Imaterial e, como tal, apresentar-se-á como um espaço de debate multi e interdisciplinar que pretende revisitar a história, a herança cultural portuguesa e as dinâmicas que a mantêm viva.

Revisitando os estudos sobre os Luso-africanos, permitirá abordar questões históricas e atuais como: que interações culturais e movimentos de transversalidade se operaram ao longo do tempo? Qual terá sido o seu papel na vida social, económica e política da região? Da época dos Lançados à atualidade, o que resta dos Luso-africanos na Senegâmbia? Que herança deixaram estas populações na paisagem cultural, política, linguística e culinária, entre outras, da região?